À semelhança do que tem vindo a acontecer nos últimos anos com os internos (para quem foi criada a sessão «A hora do interno»), o Encontro Nacional passará ter uma sessão mais vocacionada para as preocupações e reflexões dos orientadores de formação, sob a designação «A hora do orientador». Nesta primeira edição, a sessão terá como tópico «Orientar os Orientadores» e será conduzida pela Associação Nacional de Docentes e Orientadores de Medicina Geral e Familiar (ADSO). Assim, a mesa (cuja duração deverá estender-se até aos 75 minutos) discutirá, entre outros tópicos, a importância de uma formação específica para se ser competente em educação médica. Contará com apresentações de Paulo Santos (presidente da ADSO), que falará sobre o desafio da educação médica contínua, de Luís Alves, que abordará o papel do orientador de formação e de José Augusto Simões, cujas palavras se focarão na formação de formadores e experiência dos cursos EURACT. Na breve entrevista que se segue, os representantes da ADSO e participantes nesta mesa explicam alguns dos principais desafios que se colocam aos formadores em MGF no nosso país.
A ADSO - Associação dos Docentes e Orientadores de Medicina Geral e Familiar - é fundada em 2001 fruto da necessidade percebida de dotar a formação de uma organização capaz de alavancar a exigência de qualidade na educação pré e pós-graduada. Juntando médicos ligados à docência e à academia com os colegas que, no seu dia-a-dia, são os motores da formação nos respetivos locais de trabalho, a ADSO é o fórum para aprofundar a reflexão sobre a educação médica nos seus vários níveis de implementação.
Neste sentido, é com satisfação que respondemos favoravelmente ao desafio lançado pela AMPGF para estarmos presentes no Encontro Nacional de Medicina Geral e Familiar e particularmente nesta mesa dedicada a uma questão fundamental na educação médica que é a necessidade de garantir a qualidade dos formadores/educadores.
É uma realidade. Os aspetos da educação e formação médica tem-se colocado sempre do ponto de vista da definição das necessidades de formação e da construção da árvore de objetivos baseada na carteira de serviços a oferecer enquanto especialista de Medicina Geral e Familiar. E isto tem sido feito de forma satisfatória, com reflexo na qualidade da preparação dos jovens médicos para assumir de forma autónoma e plena o seu exercício profissional. Há um ponto de descontinuidade neste processo.
Desde que ingressa num estabelecimento de ensino superior, o futuro médico vai receber a sua formação dos mestres, primeiro de uma forma passiva num sistema de aprendizagem clássica, dirigida à aquisição de conhecimentos, e progressivamente exigindo-se uma participação mais ativa num sistema integrado de formação que garanta a aquisição de aptidões e competências clínicas e pessoais. No final da sua graduação, o estudante está apto para exercer medicina, mas reconhece-se a necessidade de um período complementar de formação específica para consolidação de competências na respetiva área de especialização. Até ao final dos internatos, o médico em formação é acompanhado por sucessivos tutores com diversos níveis de interação e progressiva autonomia.
No final da especialidade, o título de especialista corresponde à certificação de um conjunto de competências que foram aprendidas, treinadas e apropriadas, decorrentes do perfil que se pede a um especialista. Notamos que não existe nenhuma formação específica sobre educação médica, mas, no dia em que é especialista, o médico passa a ser considerado competente e responsável para ser formador. Esta transição de ser formando e passar a formador é um ponto chave de todo o processo e não tem sido devidamente abordada, pese embora o hiato temporal comummente imposto entre o final do internato e a designação como orientador.
Só será bom formador quem tiver sido formado para isso. Na realidade, a carreira médica engloba competências de formador, sem que exista um programa específico de formação de formadores capaz de responder à exigência que se coloca neste processo.
Esta é outra face do problema. Como não há uma estrutura de promoção e garantia da qualidade nos formadores / orientadores do internato, os colegas fazem “o melhor que sabem” na sua unidade e muitas vezes no seu gabinete.
A questão não será tanto a distância do ponto de vista físico entre orientadores, mas a falta de interação nos processos. É possível que uma unidade de saúde tenha 5 orientadores e que estejam todos a trabalhar de forme ineficiente.
Ser um bom orientador inclui a capacidade implementar o treino de gestos e tarefas específicas, o desenvolvimento do processo de raciocínio clínico, a criação de uma dinâmica de produção de conhecimento, a prática de avaliação contínua como elemento-chave para processos de melhoria da qualidade, o estabelecimento de competências éticas e sociais, a gestão da informação e dos recursos, liderança e humanização do atendimento. Muitos de nós fazemo-lo de forma mais ou menos eficaz. O objetivo tem de ser a profissionalização, dotando a formação de uma sistematização de processos promotora de efetividade e eficiência.
Como sabemos, a orientação de internos ou, de uma forma mais geral, a educação médica é um dever deontológico e ético. No próprio Juramento de Hipócrates vem o compromisso de “ensinar a nobre arte de curar”. A definição do conteúdo funcional da categoria de assistente engloba também a colaboração “na formação de médicos em processo de especialização, de médicos em formação básica e de alunos das licenciaturas em medicina ou de outras áreas da saúde” (art.º 11.º, 12.º e 13.º do Dec.-Lei 177/2009 de 4 de agosto). A questão não se coloca na “escolha”, pois à partida todos somos selecionáveis e tem-se colocado mais nas condições de idoneidade dos serviços para receber e orientar os internos em termos das estruturas físicas e naturalmente também dos recursos humanos.
A ADSO tem refletido sobre a necessidade de definir um currículo para os médicos que valide a competência em educação médica e que possa ser um padrão para os orientadores de formação dos internatos de formação geral e específica para a Medicina Geral e Familiar, mas extensível a outras especialidades, aproveitando a experiência que temos no ensino universitário e nos cursos de formação, sobretudo baseados no programa EURACT. Esperamos nos próximos meses poder começar a divulgar as conclusões deste trabalho.
Em conclusão. A educação médica é um dever ético e deontológico com que todos estamos comprometidos. Mas, para fazer educação médica é necessário ser competente em educação médica e isso exige uma aprendizagem e um treino específicos, que é função de todos, instituições de saúde, universidades e sociedades profissionais e científicas.